Francisco Papellas Filho
No arcabouço da alegada premente necessidade de aumentar a arrecadação, o Governo Federal encaminhou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 4258/2023, o qual cuida da extinção, a partir do ano-calendário de 2024, do mecanismo dos Juros sobre o Capital Próprio – JCSP, instituído pela Lei nº 9.249/95.
Os argumentos contidos na Exposição de Motivos que acompanham o PL indicam que a instituição do mecanismo não atingiu os objetivos pretendidos e, ainda mais, apenas privilegiam uma reduzida massa de investidores. Não cabe aqui quaisquer considerações sobre os argumentos ou conclusões ventiladas na EM.
Também não tecerei comentários sobre a qualidade redacional do PL, que, se vier a ser aprovado na forma como está, poderá dar margem a diversas discussões judiciais[i].
Para aqueles que não estão familiarizados como o mecanismo dos JSCP, esclareço que ele permite a dedução, como despesa financeira, na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), do valor pago aos acionistas/cotistas, observado certos limites. Em contrapartida, sobre o valor pago aos acionistas/cotistas pessoas físicas incide a tributação exclusiva na fonte de 15%. Para os acionistas/cotistas pessoas jurídicas a retenção na fonte é considerada como antecipação do imposto devido na Declaração Anual da Pessoa Jurídica, hoje ECF.
Em resumo, a imputação dos JSCP como despesa financeira da empresa pagadora reduz a tributação desta, mas, por outro lado, aumenta a tributação do seu acionista/cotista que poderia, alternativamente, receber tal distribuição sem incidência de tributo (como dividendos/lucros), pelo menos até o momento. Quem se aproveita da economia tributária é a empresa pagadora dos JCSP, melhorando sua capitalização. Evidentemente, tal circunstância, gera benefícios para o acionista/cotista, na forma de melhor capitalização ou capacidade de investimento. Nesse aspecto, poder-se-ia aqui fazer uma alongada contestação dos apontamentos feitos na EM que encaminhou o PL, mas deixemos as discussões políticas à parte.
Fato é que, se aprovado, o PL extinguirá, a partir de 1º de janeiro de 2.024, a possibilidade de pagamento dos JSCP. Todavia, na redação atual, o PL assegura a possibilidade de aplicação desse mecanismo no ano-calendário de 2.023, mesmo que os valores sejam pagos ou creditados no ano de 2.024.
Ressalto que existência de vantagem fiscal na utilização do instrumento JSCP não é uníssona entre os proprietários de empresas. Grandes corporações o empregam, pois têm foco na vantagem tributária que privilegia o empreendimento, sem prejuízo para seus acionistas, vis-a-vis os mandamentos da Lei das Sociedades por Ações e as regras do mercado de valores mobiliários.
Entidades de menor porte, geralmente empresas limitadas, seguem as preferências de seus cotistas controladores. A esses cabe aqui um alerta.
Considerado o binômio empresa-acionista/cotista, a utilização dos JSCP é financeira e economicamente vantajosa. Se de um lado o acionista/cotista é onerado com 15% de imposto de renda na fonte sobre o valor recebido, de outro a empresa pagadora deduz integralmente o valor pago nas bases de cálculo do IRPJ e CSLL (no mínimo, algo em torno de 34%, nas empresas sujeitas ao lucro real[ii]). Empresas que não o utilizaram, diante de sua iminente extinção, deveriam reavaliar tal decisão.
Ao reavaliar as circunstâncias, é essencial tomar em conta as recentes decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no tocante à dedutibilidade dos JCSP.
A discussão da dedução “extemporânea” dos JSCP foi travada em pelo menos dois Recursos Especiais no STJ. O mérito da discussão centra-se na possibilidade de reconhecer e deduzir o valor dos JSCP de anos anteriores no exercício financeiro em curso.
A 2ª Turma do STJ decidiu favoravelmente aos contribuintes, em 2022, no REsp 1.955.120/SP, no sentido de que é possível a distribuição dos JCP em exercício atual, calculado com base no patrimônio líquido de períodos-base anteriores, desde que respeitado os limites fixados no artigo 9º, da Lei nº 9.249/1995. Em 20 de junho último, a 1ª Turma decidiu da mesma forma no REsp 1.971.537/SP.
Parece assim, que está consolidado o entendimento favorável aos contribuintes nas duas turmas que integram a 1ª Seção do STJ.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) já deu a entender que a controvérsia envolve interpretação da legislação federal e que, portanto, trata de questão infraconstitucional, a cargo do STJ.
Assim, aqueles que tiverem a intenção de utilizar o benefício dos JSCP, pela última vez antes da sua extinção, devem conduzir análise cuidadosa sobre as vantagens e eventuais riscos.
Kommentare