Samuel Souza Rodrigues
A família e o ramo do Direito que a rege têm passado por uma série de transformações, fruto das constantes alterações dos papéis na sociedade, avanço da tecnologia, luta feminina por independência e aparecimento de novas dinâmicas afetivas que desafiam as tradições, e que passam a exigir que contratos reflitam cada ambiente familiar e as peculiaridades que o cercam.

Neste contexto, as regras familiares, que no passado eram tidas como perpétuas, hoje carecem de flexibilização, ou seja, de regras específicas que se amoldem às novas estruturas familiares em surgimento, demandando regras que respeitem as peculiaridades individuais, ajustadas às diferentes fases da vida.
Com isto, vê-se a diminuição da interferência estatal no seio familiar e permite-se maior autonomia privada, a família deixa de ser mais institucional e passa a demandar mais o Poder Judiciário para resolver suas querelas, considerando a identificação de uma espécie de Direito próprio de cada entidade familiar, com regras de convivência por si definidas, com esteio na individualidade e afetividade direcionada a cada membro da família, com a valorização dos direitos fundamentais constitucionais e infralegais, tais como a dignidade humana e igualdade de gênero.
As formas familiares atuais vieram para alterar padrões do direito de família codificado, ao demandarem regras flexíveis e que reflitam a individualidade de cada entidade familiar, privilegiando a subjetividade inerente a cada indivíduo.
Tais transformações reforçam o respeito à autonomia das partes, cuja privacidade e intimidade devem ficar mais protegidas do olhar do Estado, ou seja, dá-se ao Direito de Família um tom mais personalizado e adaptável, onde acordos privados e modelos contratuais buscam refletir cada vez mais os interesses pessoais, modernizando a aplicação das normas jurídicas no direito familiar.
O aumento da judicialização das relações de família e as decisões judiciais proferidas nos processos levados à apreciação do Poder Judiciário acabam por enfraquecer as normas positivadas do Direito e criam uma jurisprudência mais amigável e próxima dos anseios individuais, tal como o modelo da commom law, em que as decisões dos tribunais se pautam em precedentes judiciais ao invés de se valerem de normas escritas.
Neste sentido de personalização dos instrumentos que servirão de regência às relações familiares, os contratos familiares se dividem em diversas modalidades que permitem atender às necessidades de cada família ou casal ao longo do tempo, proporcionando autonomia e segurança jurídica. Merecem especial destaque os Contratos Pré-nupciais, que regulam questões patrimoniais e não patrimoniais antes do casamento, como regime de bens, divisão de tarefas domésticas e cláusulas sobre convivência. Celebrado o casamento, podem ser firmados Contratos Intramatrimoniais, durante o casamento ou união estável, que permitem resolução de conflitos e fixam regras às mudanças pessoais e econômicas.
Os contratos também podem ser celebrados quando da separação. Os Contratos Pré-divórcio definem normas para a dissolução consensual de relações, minimizando litígios e assegurando a proteção de interesses, incluindo guarda de filhos e divisão de bens. Enquanto que os Contratos Pós-divórcio ajustam acordos após a separação para garantir convivência harmônica, gestão compartilhada de responsabilidades na guarda ou tomada de decisões na educação dos filhos, ou ainda ajustes financeiros, como pensões.
Via de regra, não havendo violação a direitos e garantias fundamentais, o princípio "pacta sunt servanda", princípio que privilegia a força obrigatória dos contratos, prevalece por ser fundamental nas relações contratuais de Direito de Família, pois garante confiança, previsibilidade e estabilidade nas negociações. Sua aplicação reforça a autonomia da vontade e protege os direitos da personalidade, essenciais para manter a integridade e legitimidade dos acordos familiares.
Os contratos devem respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais. Por exemplo, pactos de abstinência sexual prolongada são considerados inválidos por afetarem a essência da comunhão conjugal; e cláusulas que excedem padrões mínimos e promovem bem-estar do casal são válidas.
Dos critérios que auxiliam na avaliação judicial, dois valem ser destacados, quais sejam: (i) Grau de Desigualdade Fática, que identifica desequilíbrios contratuais para assegurar justiça; e (ii) Essencialidade do Bem Jurídico, que avalia a relevância do bem em disputa e sua essencialidade à vida das partes.
Importante ressaltar que, no cumprimento de contratos familiares, obrigações personalíssimas não podem ser coercitivamente exigidas, mas devem respeitar direitos fundamentais como privacidade e dignidade humana. Nesses casos, inadimplementos são tratados apenas por meio de “cláusulas penais” (moratório ou indenizatória) ou astreintes. Essas obrigações são vistas como "deveres extrajurídicos" ou "relações jurídicas relevantes", representando uma abordagem que transcende o paradigma clássico da codificação, visto estarem resguardadas em uma concepção jurídica mais moderna e alheia, no mais das vezes, tratadas sob o prisma dos precedentes aplicados pelos nossos tribunais.
Os contratos familiares constituem-se em ferramentas primordiais no alinhamento de direitos e expectativas, privilegiando a autonomia das partes, mas sem deixar de lado a segurança jurídica e sempre observando os limites constitucionais.
Com isto, aspectos da subjetividade das relações afetivas familiares traduzem o quão evoluído o Direito de Família se encontra atualmente, sendo o individualismo cada vez mais evidente no seio familiar. Tido por alguns como um movimento pós-moderno, a dinâmica das relações interpessoais atuais acaba por redefinir o espaço do "não-direito", promovendo maior liberdade e pluralismo na esfera familiar, dados os vários estilos de vida e culturas hoje percebidos.
Com a maior subjetivação das famílias atuais, os acordos travados entre particulares no auge de sua autonomia, são priorizados e destacam a busca por soluções jurídicas personalizadas, que atendam mais aos interesses particulares. A contratualização, embora não absoluta, é vista como tradução dos interesses das entidades familiares, desde que respeite, dentre outros, os princípios constitucionais da dignidade e igualdade, além de proteger interesses fundamentais, assegurando que cada família possa construir seu próprio modelo jurídico dentro desses parâmetros.
Comentarios