Fábio Soares Maia Vieira de Souza
Em 04 de abril de 2023 foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOE/SP) a Resposta à Consulta de nº 25.343/2022, por meio da qual a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (SEFAZ/SP) se manifestou sobre a tributação de Trust instituído no exterior, mais especificamente sobre a incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD) sobre os valores recebidos pelo beneficiário, residente no Estado de São Paulo.
De início, cabe um rápido esclarecimento sobre o conceito de Trust, já que o Brasil não é país signatário da convenção internacional que o regulamenta, motivo pelo qual ainda não possuímos legislação aplicável ao tema.
De forma resumida, trata-se de uma estrutura fiduciária “triangular”, originária de países com sistema jurídico da Commom Law, muito utilizada em estruturações sucessórias, composta por: (i) instituidor/settlor; (ii) garantidor/trustee; e, (iii) beneficiário/beneficiary, que pode ser um terceiro ou o próprio settlor. Nesta estrutura, a finalidade é que o bem entregue pelo settlor ao trustee seja disponibilizado ao(s) beneficiário(s) de acordo com as regras por ele estipuladas originalmente. Dessa forma, cabe ao trustee a gestão do bem e sua entrega ao(s) beneficiário(s) na forma e nos limites estipulados nos documentos constitutivos do Trust. De forma pragmática, trata-se de uma estrutura contratual pela qual o instituidor define quem terá acesso aos bens, sob supervisão do garantidor.
A discussão sobre a legalidade, ou não, de pagamento do ITCMD sobre bens recebidos no exterior, já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF). De fato, nos termos do quanto estipulado pelo Tema 825, do STF, ficou definido: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
Esclareça-se que o ITCMD incidente sobre bens recebidos no exterior por doador estrangeiro ainda não foi regulamentado por Lei Complementar federal, motivo pelo qual, o recebimento de valores via Trusts, não estaria sujeito ao pagamento de ITCMD.
Contudo, o fisco estadual paulista, a despeito do reconhecimento pelo STF da inexistência de competência plena dos Estados para instituir o ITCMD sem prévia Lei Complementar Federal, resolveu por bem se manifestar, na mencionada Resposta à Consulta de nº 25343/2022, no sentido de que a Lei nº 10.705/2000, por ter sido instituída no Estado de São Paulo antes da manifestação do STF no Tema 825, acima mencionado, permite a aplicação do ITCMD sobre qualquer doação de bem localizado no exterior por doador estrangeiro a beneficiário residente ou domiciliado no Estado de São Paulo, conforme disposto no Artigo 4º, da Lei 10.705/2000.
Ocorre que tal entendimento do fisco paulista, por estar em confronto direto com o estipulado em tema de repercussão geral pelo STF, é passível de questionamento judicial, seja pela via difusa, situação em que cada contribuinte ajuíza uma ação para solicitar o afastamento da exigibilidade do tributo, seja pela via concentrada, a ser apresentada por intermédio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Neste sentido, a título de exemplo, citamos o ADI 6826, por meio da qual o Estado do Rio de Janeiro ficou proibido de instituir e cobrar o ITCMD sobre o recebimento de bem localizado no exterior por doador estrangeiro, em favor de residentes do Estado do Rio de Janeiro.
Diante das breves linhas acima, fica a orientação para que beneficiários de Trusts procurem um advogado especialista para análise e orientação adequada, a fim de evita o pagamento indevido de ITCMD.
* Este artigo foi também publicado no Informativo BraGa deste mês de maio e foi elaborado antes da edição da Medida Provisória nº 1.171/23.
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