Aryane Braga Costruba
Um pai emprestou X reais ao filho, sendo que ambos declararam o empréstimo em suas respectivas declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) e mantêm arquivada a documentação correspondente.
Algum tempo depois, o pai perdoou pura e simplesmente a dívida do filho, sem exigir qualquer contraprestação de serviços ou retribuição de qualquer espécie.
O empréstimo de pai para filho é um mero exemplo, poderia ser entre amigos, irmãos, quaisquer pessoas. Do exposto surgem as seguintes dúvidas, quais sejam: i) o devedor perdoado fica sujeito ao Imposto de Renda sobre a dívida perdoada; ou ii) o perdão de dívida equivale a uma doação, sujeitando o devedor perdoado ao Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD)?
Quanto ao IRPF, a questão já foi resolvida pela Solução de Consulta DISIT nº 3.010/2021, a qual esclareceu que a dívida de uma pessoa física, quando simplesmente cancelada/perdoada pelo credor, ou seja, sem exigência de qualquer contraprestação, não fica sujeita ao IRPF, podendo ser simplesmente baixada na declaração de IRPF.
Por outro lado, o perdão de dívida não pode ser considerado uma doação sujeita à incidência do ITCMD. Vejamos: tanto o perdão (remissão) quando a doação são contratos típicos, disciplinados pelo Código Civil em seus artigos 385 e 538, respectivamente, de modo que os Estados devem se conformar com os efeitos tributários que cada um destes contratos acarreta.
Assim, no exemplo acima, tendo pai e filho acordado em realizar um empréstimo, não podem os Estados, ante o posterior perdão do montante emprestado, equiparar o perdão a um contrato de doação para assim exigir o pagamento do ITCMD.
Os Estados não podem, em primeiro lugar, porque o artigo 22, I, da Constituição Federal (CF), estabelece que compete exclusivamente à União legislar sobre Direito Civil, de modo que, ao equiparar o perdão a um contrato de doação, os estados invadirão competência alheia. Segundo, porque a CF, em seu 151, I, emprega expressamente o termo "doação", cuja definição, conteúdo e alcance não podem ser alterados por legislação infraconstitucional, nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN).
Consequentemente, ao equiparar perdão de dívida a doação, ambos contratos típicos, como já visto, os Estados estarão desvirtuando o termo "doação" adotado pela CF.
À vista do acima resumidamente exposto, resta claro que sobre o perdão de dívida não incide IRPF nem ITCMD. Em havendo eventual cobrança, o contribuinte poderá recorrer nas esferas administrativa e/ou judicial, com boas chances de êxito.
Evidentemente que o empréstimo e o consequente perdão, para não se submeterem ao IRPF, nem ao ITCMD, deverão estar amparados por documentação idônea, em comprovante da movimentação financeira, devendo também ser informados na declaração de IRPF de cada um.
Já no caso de perdão de dívida da pessoa jurídica, o entendimento da Receita Federal é que incide IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre o valor perdoado. Este perdão representa um acréscimo patrimonial para aquele que deve, cuja a consequência é a tributação.
No entanto, referido entendimento é questionado pelos contribuintes, pois o STF já se manifestou no sentido de que “o conceito de receita acolhido pelo art. 195, I, b, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil”, de modo que “a receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio, na condição de elemento novo e positivo”. Neste sentido, os contribuintes discutem que o perdão da dívida não pode ser tratado como receita, para fins de tributação, nem mesmo como lucro, pois referidos recursos não ingressaram. A jurisprudência sobre o tema, porém, ainda não é pacifica.
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