Lucas Zapater Bertoni
Em recente artigo[1], afirmamos que a Lei nº 14.592/23 é inconstitucional, ou, mais precisamente, seus artigos 6º e 7º, que, ao dispor que o ICMS deve ser excluído da apuração dos créditos de PIS e COFINS, acabaram por violar a lógica e fundamento jurídico do princípio da não-cumulatividade destas contribuições sociais, estabelecido no artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, e no artigo 195, § 12, da Constituição Federal.
Este tema tem sido debatido em todo o território nacional, ante ao impacto econômico significativo para as empresas submetidas ao regime não-cumulativo das contribuições sociais, pela diminuição significativa dos créditos apurados e, consequentemente, no aumento do valor a ser recolhido aos cofres da Receita Federal.
Por isso, os contribuintes têm recorrido ao Poder Judiciário para confrontarem a novel legislação, considerando que o Congresso Nacional permitiu e aprovou as mudanças da sistemática normativa destas contribuições propostas inicialmente pelo Governo Federal na forma da Medida Provisória nº 1.159/23.
E o Poder Judiciário, pelo seu dever constitucional de não poder se furtar a enfrentar os temas que lhe são questionados, tem se manifestado, ainda que de forma discreta e cautelosa, apontando os vícios da nova Lei e a sua incompatibilidade com o sistema jurídico tributário brasileiro.
O intuito deste texto apresentar os subsídios que poderão auxiliar as empresas a combater tal arbitrariedade, destacando os principais fundamentos que permearam e se fizeram presentes em três importantes decisões recentemente proferidas em favor dos contribuintes. São duas sentenças, uma da Seção Judiciária de São Paulo[2] e a outra do Judiciária do Rio de Janeiro[3], e, por fim, uma decisão liminar proferida no âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região[4].
Em todos os casos citados, foram desenvolvidos ao menos três fundamentos importantes para reconhecer a impossibilidade de exclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS: um fundamento de ordem jurisprudencial, um de natureza fiscal ou contábil, e, finalmente, o fundamento jurídico a partir do conjunto normativo sobre o tema.
Na análise do tema a partir do contexto da jurisprudência especialmente dos Tribunais Superiores, todas as decisões referidas foram contundentes ao afirmar a distinção clara entre o precedente fixado pelo STF no julgamento da “tese do século” (Tema 69[5]), uma vez que naquele julgamento a Corte excluiu o ICMS da base de cálculo da incidência das contribuições, por não poder ser considerado no conceito de receita, para fins da incidência.
Entretanto, em momento nenhum, o STF julgou o tema do ponto de vista do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS, até mesmo porque se tratam de sistemáticas diferentes, exatamente como foi julgado.
Tal diferença decorre, inclusive, do fundamento fiscal/contábil dessa discussão. Afinal, na apuração dos créditos de PIS e COFINS, o contribuinte não pode destacar o valor do ICMS na nota fiscal de aquisição de matérias-primas e insumos, integrando este valor, indiscutivelmente, no custo de aquisição dessas mercadorias.
Finalmente, tal como tratamos no artigo anterior com maior profundidade, admitir a exclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS é incompatível com o núcleo do princípio da não-cumulatividade, visto que o objetivo do regime não-cumulativo é desonerar a carga tributária ao contribuinte nas cadeias produtivas mais extensas, mitigando o impacto da tributação ao consumidor final, e respeitando os princípios basilares da vedação ao confisco e da capacidade contributiva.
Em outras palavras, uma lei ordinária promover a exclusão do ICMS na apuração desses créditos é negar vigência ao princípio da não-cumulatividade previsto na Constituição Federal, o que é totalmente incompatível com o ordenamento jurídico.
Outro fundamento que esteve presente nas decisões foi a tentativa do Fisco Federal de aumentar a tributação do PIS e da COFINS por via oblíqua aos contribuintes, com tal alteração na legislação. Para tanto, prevê a Constituição a necessidade de Lei Complementar, o que não foi respeitado.
Consideramos estas decisões importantíssimas para todos os contribuintes que já estão sendo impactados pela Lei 14.592/23 desde maio, visto que representam um horizonte jurisprudencial favorável, sendo aconselhável que as empresas avaliem o impacto da nova legislação em seu resultado e adotem medidas para fazerem valer seu direito a manutenção do ICMS incidentes sobre suas aquisições na base de crédito das contribuições.
____________________________________ [1] Disponível em: https://www.brga.com.br/post/lei-14-592-%C3%A9-inconstitucional-icms-%C3%A9-custo-de-aquisi%C3%A7%C3%A3o-para-creditamento-do-pis-cofins [2] Sentença de 19/07/2023 no Mandado de Segurança nº 5001361-70.2023.4.03.6133, 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes. [3] Sentença de 05/07/2023 no Mandado de Segurança nº 5058002-97.2023.4.02.5101, 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro. [4] Decisão de 01/05/2023 no Agravo de Instrumento nº 5005005-17.2023.4.02.0000, 3ª Turma Especializada do TRF-2 [5] Tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS.”
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