Deliberações virtuais e livros digitais: critérios de validade conforme JUCESP e RTDPJ
- Braga & Garbelotti

- há 7 dias
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Samuel Souza Rodrigues
A digitalização do direito societário brasileiro tornou-se irreversível. Com a edição das Instruções Normativas do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (INs DREI nºs 82/2021 e nº 79/2022), as juntas comerciais passaram a priorizar — e, posteriormente, exigir — que a autenticação de livros societários ocorra exclusivamente por meio eletrônico. A Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) formalizou esse novo padrão ao encerrar definitivamente a autenticação de livros físicos, determinando que toda a escrituração futura seja realizada em formato digital, mediante arquivos PDF não editáveis, assinaturas eletrônicas qualificadas e identificação por hash criptográfico. Livros físicos já autenticados devem ser digitalizados, acompanhados de termo de encerramento e vinculados a novos livros eletrônicos.

A mudança não é meramente operacional: ela impacta a lógica probatória e a governança societária. A validade dos documentos digitais depende de integridade, rastreabilidade e conformidade regulatória. Escritórios especializados — analisando comunicados oficiais e a prática das juntas — apontam que as rejeições mais frequentes decorrem da falta de padronização interna das empresas: ausência de sequência lógica entre livros físico-digitais, envio de arquivos editáveis, uso inadequado de assinaturas eletrônicas e inconsistências entre o conteúdo arquivado internamente e o enviado à junta ou ao Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica - RTDPJ.
O ambiente digital também impôs novos desafios às deliberações societárias. Embora a legislação permita assembleias virtuais, reuniões híbridas e decisões unânimes por escrito, sua eficácia depende da observância rigorosa de formalidades: convocação regular, identificação inequívoca dos participantes, registro fiel das votações, documentação completa e assinatura digital qualificada. Erros recorrentes — como atas incompletas, falta de comprovação do quórum ou registros paralelos em e-mails e aplicativos — fragilizam a cadeia de custódia e podem levar à invalidação das deliberações, conforme já reconhecido em disputas societárias recentes.
Doutrina e prática empresarial convergem ao afirmar que os livros societários seguem desempenhando papel central na prova e na governança corporativa. Eles são essenciais para demonstrar a composição societária, a legitimidade de administradores, a distribuição de dividendos, a regularidade de assembleias e a evolução deliberativa da companhia. Na esfera de M&A (Fusões e Aquisições), inconsistências na escrituração são frequentemente apontadas como riscos materiais, podendo elevar contingências, reduzir valuation ou até inviabilizar operações.
Com o fim da autenticação física, a responsabilidade das empresas aumentou. A adoção de políticas internas de governança documental — versionamento, auditorias periódicas, registro sistemático de atos no RTDPJ e organização prévia de livros antigos — tornou-se indispensável. A ausência dessas medidas expõe sociedades a riscos relevantes: nulidade de deliberações, invalidação de atas, litígios entre sócios, questionamentos em auditorias e insegurança jurídica em operações estratégicas.
A transição para o digital, portanto, exige disciplina: o documento eletrônico só produz plena eficácia quando sua integridade é verificável e sua cadeia de custódia é inquestionável. A tecnologia não dispensa a forma; ao contrário, aumenta sua importância. Deliberações virtuais sem documentação robusta e livros digitais sem correspondência clara com a história societária perdem força probatória e podem ser desconsiderados em auditorias e litígios.
O futuro do direito societário brasileiro é integralmente digital, mas sua efetividade continuará dependendo da qualidade dos registros, da coerência documental e da observância rigorosa das diretrizes da JUCESP, do DREI e do RTDPJ. As empresas que estruturarem processos maduros de governança documental transformarão essa mudança em vantagem competitiva. As que não o fizerem enfrentarão crescente risco de nulidades e insegurança jurídica.

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