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Maratona Contra o Tempo, Contra a Lei e Contra o Fisco: O Drama da “Nova” Tributação dos Lucros e Dividendos

  • Foto do escritor: Braga & Garbelotti
    Braga & Garbelotti
  • há 3 minutos
  • 6 min de leitura

No cenário tributário que marca o encerramento de 2025, instaurou-se uma verdadeira “maratona”, entretanto, ao contrário das maratonas esportivas, essa disputa não possui regras claras tampouco consensuais. De um lado, o Fisco e o Governo Brasileiro, impulsionados pela promulgação da Lei nº 15.270/2025 [1], se anteciparam e queimando a largada, consolidaram uma “nova” base arrecadatória sobre lucros e dividendos. De outro, os contribuintes, pressionados pelo tempo e pela insegurança jurídica, correm para tentar escapar de uma tributação até então inexistente.

 

Contudo, essa corrida é desigual. Enquanto o Fisco e o Governo Brasileiro modificaram as regras no meio do percurso, quase na linha de chegada, os contribuintes se veem obrigados a cumprir exigências inexecutáveis (balanços ainda não encerrados, assembleias impossibilitadas de serem convocadas em tempo hábil e decisões que desafiam o próprio tempo), tudo isso para tentarem, minimamente, cumprir uma “maratona” para a qual sequer estavam preparados.

 

Ao realizar breves digressões sobre essa “maratona”, é possível traçar uma analogia com um episódio marcante da história do esporte, a maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Na ocasião, o atleta brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, aqui simbolizando os contribuintes, liderava a prova quando foi abruptamente interrompido por um manifestante irlandês, figura que nesta analogia representa o Fisco e o Governo Brasileiro.

 

Apesar do incidente, Vanderlei concluiu a prova em terceiro lugar e, posteriormente, foi agraciado com a medalha Pierre de Coubertin, concedida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em reconhecimento ao seu notável espírito esportivo e resiliência [2], atributos que simbolizam, também, a realidade dos contribuintes brasileiros que, mesmo diante de obstáculos impostos por um ambiente normativo instável e muitas vezes hostil, persistem em seguir adiante. Não restam dúvidas, portanto, de que os contribuintes se veem, mais uma vez, em uma verdadeira maratona contra o relógio, contra a incerteza e, sobretudo, contra uma norma que desconsidera por completo a realidade dos processos contábeis e societários.

 

Como amplamente divulgado, o art. 6º-A, da Lei nº 15.270/2025, condiciona a exclusão da nova tributação sobre lucros e dividendos apurados até 31/12/2025 à deliberação societária que autorize sua distribuição no mesmo ano. No entanto, o §3º do mesmo artigo impõe obstáculos adicionais à segurança jurídica ao exigir a formalização de atos que, pela lógica contábil e societária, só podem ocorrer após o encerramento do exercício [3].

 

De maneira semelhante, o art. 16-A, especialmente em seu §1º, inciso XII, alínea “b”, também condiciona a manutenção da isenção dos lucros e dividendos, em especial, para a dedução desses valores da base de cálculo do IRPF-M, desde que relativos aos resultados apurados até o ano-calendário de 2025 [4].

 

A conjugação desses dispositivos culminou, já em dezembro, na mencionada “maratona” entre contribuintes e o Fisco, expressão adotada em razão da analogia anteriormente traçada, para deliberar sobre dividendos dentro do exíguo prazo legal, sob pena de incidência tributária inclusive sobre resultados acumulados antes da vigência da nova legislação. Referida exigência tem sido amplamente criticada por conflitar com os prazos contábeis e societários legalmente estabelecidos [5], configurando um requisito que se mostra, na prática, inexequível para inúmeras sociedades empresárias.

 

Importa destacar que a controvérsia transcende o âmbito do planejamento tributário, alcançando diretamente a constitucionalidade da norma. Diversas entidades sustentam que o art. 6º-A, §3º, e o art. 16-A, §5º, violam princípios constitucionais fundamentais, como a segurança jurídica, a irretroatividade tributária e a anterioridade, ao impor exigências materiais e formais incompatíveis com a estrutura normativa societária, contábil e civil vigente.

 

Nesse contexto de crise normativa, ações judiciais vêm sendo ajuizadas. Em recente liminar concedida no Mandado de Segurança nº 1145663-06.2025.4.01.3400 [6], impetrado pela Associação Comercial do Paraná (ACP), reconheceu-se a plausibilidade dos argumentos, suspendendo os efeitos tributários da lei, tendo em vista que o conflito constante na referida lei não é meramente interpretativo, mas sim completamente estrutural.

 

A decisão supracitada fundamentou-se na constatação de flagrante insegurança jurídica e na indevida aplicação retroativa da norma tributária, determinando que a Receita Federal do Brasil  (RFB) reconheça como válidas as deliberações societárias realizadas em conformidade com a Lei nº 6.404/76 [7], ainda que formalizadas após 31 de dezembro de 2025.

 

Embora provisória, a decisão pode servir como um instrumento na contenção dos efeitos desproporcionais da norma, preservando os direitos fundamentais dos contribuintes e equilibrando o ímpeto arrecadatório do Estado com a estabilidade necessária às práticas empresariais. Cria-se, assim, um espaço de resguardo à segurança contábil, societária e tributária, permitindo que sociedades realizem suas deliberações em momento adequado, sem risco de penalidades automáticas.

 

Esse cenário reforça a crítica de que a nova legislação extrapola sua função arrecadatória e impõe encargos deslocados da realidade operacional das empresas. Ao desconsiderar os ritos societários e os tempos próprios da contabilidade, a norma compromete a coerência normativa e amplia a insegurança jurídica.

 

Seguindo os passos da ACP, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7912 perante o Supremo Tribunal Federal (STF) [8], buscando a suspensão e posterior declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos que vinculam a isenção ao cumprimento de prazos e requisitos formais desconectados da legislação societária.

 

O modelo atual, conforme demonstrado, impõe riscos contábeis e jurídicos desproporcionais, penalizando especialmente as empresas de médio porte e seus sócios.

 

Diante disso, espera-se que o STF reconheça a inconstitucionalidade, ao menos parcial, da Lei nº 15.270/2025, especialmente no que diz respeito à imposição de prazos inexecutáveis. A coerência do ordenamento jurídico e a segurança das relações empresariais devem prevalecer sobre medidas que, ainda que “bem-intencionadas”, geram instabilidade e insegurança.

 

Enquanto não há uma definição judicial definitiva, recomenda-se cautela aos contribuintes. A antecipação da distribuição dos lucros acumulados até 2025, com pagamento até 2028, previamente deliberada e formalizada, quando possível, pode ser uma estratégia prudente diante das incertezas jurídicas ainda presentes no cenário legal e jurisprudencial.

 

João Pedro Don Fernandes

_____________________________________________

Referências: 

[1] Lei PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA nº 15.270, de 26.11.2025 – D.O.U.: 27.11.2025; 

[3] Art. 6º-A. A partir do mês de janeiro do ano-calendário de 2026, o pagamento, o creditamento, o emprego ou a entrega de lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil em montante superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em um mesmo mês fica sujeito à retenção na fonte do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o total do valor pago, creditado, empregado ou entregue.

(...)

§ 3º Não se sujeitam ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas de que trata este artigo os lucros e dividendos:

I - relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025;

II - cuja distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025; e

III - exigíveis nos termos da legislação civil ou empresarial, desde que seu pagamento, crédito, emprego ou entrega ocorra nos termos originalmente previstos no ato de aprovação.” 

[4] Art. 16-A. A partir do exercício de 2027, ano-calendário de 2026, a pessoa física cuja soma de todos os rendimentos recebidos no ano-calendário seja superior a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) fica sujeita à tributação mínima do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, nos termos deste artigo.

(...)

XII - os lucros e dividendos:

(...)

b) cuja distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025 pelo órgão societário competente para tal deliberação; 

[5] https://cfc.org.br/wp-content/uploads/2025/11/NT_0013_assinado.pdf, acesso realizado em 18/12/2025, às 11h45; 

[6] (JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 8ª Vara Federal PROCESSO 1145663-06.2025.4.01.3400/DF POLO ATIVO: ASSOCIACAO COMERCIAL DO PARANA POLO PASSIVO: UNIAO FEDERAL e outros - DJEN DIVULG 17-12-2025/PUBLIC 18-12-2025); 

[7] Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:

I - tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;

II - deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;

III - eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;

IV - aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167); 

Art. 133. Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124, que se acham à disposição dos acionistas:

(...)

I - o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; 

[8] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=7466925, acesso realizado em 18/12/2025, às 12h04;

 
 
 

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