Daniel Teixeira de Figueiredo Passos
A desoneração da folha, como ficou conhecida no meio político e empresarial, foi implementada em 2011 e tinha como principais justificativas (i) a manutenção de investimentos nos setores beneficiados e (ii) não só a vedação a demissões, mas a promessa da criação de novos postos de trabalho[1].
Nesse contexto, as empresas beneficiadas podiam optar por pagar contribuições sobre a receita bruta, com alíquotas de 1% a 4,5% e, por conseguinte, se viam livres da obrigação de recolher contribuição previdenciária de 20% em razão dos funcionários com carteira assinada.
Apesar de ter sido instituída no último ano do segundo mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (2011), a desonaração foi alvo de um ataque feroz em seu atual governo que, com foco na meta “déficit zero” no exercício de 2024, busca arrecadar receitas em todas as frentes. Não por acaso, a desoneração da folha foi à mira do Ministério da Fazenda.
Com a publicação da Medida Provisória nº 1202/23, o governo federal tentou revogar os benefícios fiscais. Quando publicada, gerou grande repercussão e ensejou um recuo com a edição da Medida Provisória nº 1208/24, que revogou a “reoneração” da folha.
Atualmente, o assunto é tratado no Projeto de Lei nº 1.874/24, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), o qual deverá definir uma retomada progressiva da oneração da folha de pagamento. De acordo com o texto aprovado pelo Senado – que ainda deve tramitar pela Câmara dos Deputados –, as empresas retomarão integralmente o pagamento da alíquota de 20% sobre a folha somente em 2028.
A implementação e a vigência de um benefício fiscal por mais de 20 anos têm impactos significativos na economia e na sociedade. De um lado, o Estado diminuiu sua arrecadação, mas, de outro, as despesas se mostram crescentes e os desafios orçamentários ascendem.
Consequentemente, a sociedade, especialmente empresários, habituados ao benefício, serão mais uma vez onerados para o cumprimento de meta fiscal do governo federal. Não bastasse, ainda estão sendo “atacados” tributariamente sob outras perspectivas – como aconteceu recentemente com a promulgação da Lei nº 14.592/2023, que alterou bruscamente a apuração das contribuições sociais e vetou o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de insumos, para apuração do PIS e da COFINS[2] – para manter a arrecadação e o caminho da União rumo à meta fiscal.
Quando implementada uma medida de incentivo, é dever do governo medir o seu impacto em curto, médio e longo prazo, na medida em que a equalização dos benefícios e o custo social compõem o dilema que deve ser enfrentado.
Isso porque a medida em si, ao fim, é suportada pela própria sociedade que, apesar da manutenção de empregos, custeia diretamente a criação de outros tributos ou novas sistemáticas de apuração que buscam, justamente, recompor o caixa do governo em razão da medida de incentivo.
É como se o Estado vivesse o dilema da tábua de carnéades[3]. Ao defender e salvar a desoneração da folha para dezessete setores da economia, lança ao mar e sacrifica o cidadão comum, que irá, ao fim e indiretamente, sustentar a concessão do benefício, fruído e percebido em seu maior impacto pelo empresário gerador de empregos.
A sociedade deve acompanhar a discussão legislativa sobre a reoneração da folha em paralelo à reforma tributária. Isso porque a aprovação da retomada gradual da primeira significará imputar à reforma um peso ainda maior na fixação de suas alíquotas e regras, premissas legais que darão ao Estado o lastro para seu custeio, além de viabilizar a espera pela contribuição que irá incidir sobre a folha em 2028, segundo o Projeto de Lei nº 1.847/24.
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[1] Segundo o IBGE, em 2010, a taxa média de desocupação no ano foi de 6,7%, enquanto que no ano de 2011 o índice foi de 4,7%. Disponível em - https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php
[2] A promulgação da lei nº 14.592/2023 criou uma onda de judicialização em todo país. Empresas viram suas projeções de preços e negociações empresariais enormemente impactadas pela nova lei e não viram outra saída que não buscar o judiciário. Há poucas decisões favoráveis na justiça federal e uma única certeza: a solução judicial final para o tema não deve acontecer antes da própria reforma tributária.
[3] A Tábua de Carnéades é citada como dilema utilizado com frequência no direito penal e no estudo da ética. Em apertada síntese, a tábua – que representa a via de salvação da própria vida – significa necessariamente que o outro deve morrer. Não há como estabelecer um acordo e salvar os dois, a existência de um significará necessariamente a morte do outro. Aqui o dilema da tábua é vivido pelo estado, que deve escolher um lado, salvar empresários ou o cidadão, sempre tendo as contas públicas como um fiel da balança para a tomada de decisão.
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