Rafael Maldonado Canesso
Recentemente, os contribuintes foram surpreendidos com uma grande gama de alterações substanciais nas engrenagens tributárias do país.
Essas alterações podem ser vistas como um pacote, pois foram disponibilizadas em um curto período de tempo (de dezembro até agora).
Contudo, as alterações emanam de múltiplas frentes, e não de um único comando legal.
Essas medidas, como já deve suspeitar o nosso leitor, não são benéficas aos contribuintes. Elas buscam o aumento da arrecadação por via oblíqua, carreando recursos financeiros para cobrir uma expectativa de gastos um tanto quanto perdulários do Governo Federal.
Nesse pacote de alterações, estão abarcadas as Medidas Provisórias (MPs) nºs 1.159/2023 e 1.160/2023, que alteraram as Leis nºs 10.637/2002, 10.833/2003 e 13.988/20. Além dessas MPs, a Portaria Conjunta da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nº 1, de 12/01/23. E, por fim, o Decreto 11.379/2023.
Primeiramente, é importante ressaltar que as alterações realizadas pelas medidas provisórias possuem força de lei, e são editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Elas produzem efeitos jurídicos pelo prazo de até 120 dias, mas, para que continuem produzindo efeitos após esse prazo, precisam ser convertidas em Lei pelo Congresso Nacional.
No processo de conversão da medida provisória em lei, os Congressistas podem alterar a redação original, apresentando emendas. Podem, ainda, rejeitar a MP ou, sequer analisá-la, hipótese em que resulta invalidada desde a sua edição.
Voltando às mudanças, abordaremos as principais alterações no processo administrativo fiscal. Elas são três:
A modificação da Lei 13.988/2020, aumentando o valor do contencioso tributário administrativo de pequeno valor de 60 salários mínimos para 1.000 salários mínimos. Tal modificação, na prática, significa que, agora, os processos tributários federais de até mil salários mínimos serão julgados em única instância, pelas Delegacias de Julgamento da Receita Federal do Brasil, não havendo mais a possibilidade de recurso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Alteração no Recurso de Ofício, que possuí um mecanismo similar ao duplo grau de jurisdição obrigatório no Poder Judiciário. Exemplificando: se um contribuinte ganhasse a discussão em uma DRJ (equivalente à 1a Instância do judiciário) anulando assim um crédito superior a R$ 2.500.000,00, esse processo deveria obrigatoriamente ser revisto pelo CARF (que equivale à 2aInstância do Judiciário). Agora, com a alteração, esse valor de corte sobe de R$ 2.500.000,00 para R$ 15.000.000,00. Essa medida visa desafogar o CARF.
Volta do Voto de Qualidade no CARF: a Lei 13.988/2020 havia acabado com o absolutamente injusto Voto de Qualidade no CARF, que é um órgão paritário, ou seja, é composto pela mesma quantidade de Conselheiros que representam os contribuintes, quanto pelos que representam o Fisco Federal. Em caso de empate, antes da Lei 13.988/2020, havia o voto de minerva do Presidente do CARF (sempre um representante da Fazenda), que votava novamente para desempatar o julgamento. E votava, no mais das vezes, para favorecer o Fisco Federal. Após a publicação da referida lei, em caso de empate, o julgamento era desempatado em favor do contribuinte (in dubio pro reo), conforme, aliás, determina o Código Tributário Nacional (CTN). Contudo, com as novas alterações, desafortunadamente o voto de minerva voltou a fazer parte das competências do Presidente do CARF.
Após nossas breves considerações sobre o processo administrativo federal, passamos às demais mudanças.
As demais mudanças possuem um tino um tanto quanto – para não dizer totalmente - arrecadatório. A MP 1.159/2023, por exemplo, alterou as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, vedando, por alegada “decorrência lógica”, os créditos de PIS/COFINS nas aquisições. Se o ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS nas vendas, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), não deve ser base de cálculo dessas mesmas contribuições quando das compras. Essa é a infundada “decorrência lógica” alegada pelo Governo Federal.
Porém, é possível deixar de fora dos efeitos negativos alguns contribuintes, pois, quando a MP determina a exclusão do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição, ela deixa de fora a exclusão do ICMS sobre transportes e comunicações.
E isso porque o ICMS apresenta duas hipóteses de incidência: (i) operações relativas apenas à circulação de mercadoria; e (ii) prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações. As mercadorias são adquiridas, enquanto que os serviços são tomados, na própria terminologia do ICMS. Assim, se a vedação recai sobre as aquisições, por evidente que não se aplica à tomada de serviços.
Há também o Programa de Redução da Litigiosidade Fiscal (PRLF), prevista na Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1, cujo objetivo é permitir a realização de acordo entre contribuintes e a União, abrangendo apenas os créditos tributários em contencioso administrativo fiscal com recurso pendente de julgamento e que sejam de pequeno valor (nas DRFJs ou no CARF). A adesão a esse Programa pode ser feita a partir de 1º de fevereiro de 2023 até 31 de março de 2023, havendo as seguintes modalidades:
Transação na Cobrança de Créditos Tributários em Contencioso Administrativo Fiscal:
Adesão com utilização de créditos decorrentes de Prejuízos Fiscais e de Base de Cálculo Negativa da CSLL apurados até 31.12.21 - para créditos em discussão nas DRJs ou no CARF.
O percentual efetivo de desconto observará a capacidade de pagamento do contribuinte (sendo maior para créditos classificados como irrecuperáveis/de difícil recuperação e menor para os classificados com alta/média perspectiva de recuperação).
Nessa modalidade de transação poderão ser incluídos débitos constituídos cujo vencimento da multa de ofício tenha ocorrido antes da publicação da Portaria.
Transação no Contencioso de Pequeno Valor:
Adesão independente da capacidade de pagamento do contribuinte ou classificação da dívida, relativa a créditos com valor de até 60 (sessenta) salários mínimos que tenham como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, os quais poderão ser negociados no âmbito do PRLF.
Nessa modalidade de transação, poderão ser incluídos os créditos inscritos na dívida ativa da União há mais de 01 (um) ano.
Os benefícios variam de acordo com a classificação do crédito tributário: se forem classificados como irrecuperáveis, o contribuinte poderá obter uma redução de até 100% dos juros e da multa, devendo adiantar 30% do saldo devedor em dinheiro, em até 9 parcelas, e, para o remanescente, poderá usar prejuízo fiscal/base negativa da CSLL., se possuir.
Se o crédito for classificado como de alta ou média capacidade de recuperação, o que muda é que o contribuinte deverá adiantar 48% em até 9 parcelas.
A Portaria em comento não se aplica aos créditos apurados na forma do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123/06.
Outro ponto é o Decreto nº 11.374/2023, do atual Governo, que revogou o Decreto 11.322/2022, publicado pelo Governo anterior ao apagar das luzes. O decreto revogado reduzia as alíquotas do PIS/COFINS sobre receita financeira em 50% (as alíquotas passaram de 0,65% e 4% para 0,33% e 2%).
Com a revogação das reduções, em teoria, as alíquotas retornariam aos patamares anteriores à redução (de 0,65% e 4%) já a partir da data da publicação do citado Decreto nº 11.374/2023 , ou seja, a partir de 02/01/2023. Dissemos “em teoria” uma vez que, havendo aumento de contribuições sociais, como é o caso do PIS/COFINS, deve ser observado o instransponível Princípio constitucional da Anterioridade Nonagesimal, segundo o qual a majoração das alíquotas do PIS/COFINS somente pode entrar em vigor 90 dias após a publicação do já referido Decreto nº 11.3674/2023.
Os contribuintes, assim, poderão recorrer ao Judiciário contra o aumento das alíquotas a partir da publicação do decreto, com grandes chances de êxito.
O mesmo Decreto 11.374/2023 revogou a redução das alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), elencadas no artigo 6º, da Lei nº 10.893/2004, concedidas pelo Governo anterior via Decreto nº 11.321/22. Do mesmo modo, em teoria, voltariam a vigorar as antigas alíquotas (40% para a modalidade Fluvial/lacustre ou 8% para as demais modalidades). Ocorre que, caracterizando-se o AFRMM como uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a majoração das alíquotas somente poderá entrar em vigor a partir de 01/01/2024, por força do Princípio Constitucional da Anterioridade da Lei. Neste caso, os contribuintes que desejarem continuar praticando as alíquotas reduzidas ao longo de todo ano de 2023 poderão recorrer ao Poder Judiciário com boa possibilidade de êxito. Já há, inclusive, liminar afastando o aumento em 2023.
São estas, prezado leitor, nossas breves considerações sobre as alterações tributárias do novo Governo Federal.
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