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PL nº 04/2025: Reforma do Código Civil e os Contratos Empresariais

  • Foto do escritor: Braga & Garbelotti
    Braga & Garbelotti
  • 16 de jun.
  • 4 min de leitura

Samuel Souza Rodrigues

 

Contratos empresariais são instrumentos jurídicos firmados entre agentes econômicos no exercício de atividades empresariais. Diferem dos contratos civis comuns por sua função econômica, pelo ambiente de maior tecnicidade, pelos volumes financeiros geralmente envolvidos e pela expectativa de que as partes sejam experientes e bem informadas, embora esta regra nem sempre seja aplicada. Tais contratos integram cadeias produtivas e de valor, sendo essenciais para a dinâmica dos mercados e para uma alocação eficiente de riscos. Ainda assim, sua qualificação como categoria jurídica autônoma é objeto de controvérsia, já que parte da doutrina questiona se há real necessidade ou utilidade em tratá-los de forma distinta dos contratos civis, especialmente considerando que a unificação do direito obrigacional promovida pelo Código Civil de 2002 já buscava abarcar as especificidades do mundo empresarial. 


A proposta de reforma do Código Civil e de seus atuais 1.122 artigos, contida no Projeto de Lei (PL) nº 04/2025, apresentado ao Senado em 1º de abril de 2025, busca atualizar o ordenamento jurídico e alinhá-lo às práticas econômicas contemporâneas. Quanto aos contratos, a ideia principal é reforçar a autonomia privada, particularmente nas relações empresariais, e restringir a intervenção judicial a hipóteses de desequilíbrio relevante. Para isso, o Projeto introduz com mais destaque os conceitos de paridade e simetria contratual, partindo da presunção de que os contratos empresariais são celebrados entre partes em igualdade de condições — salvo prova em contrário. Com isso, pretende-se limitar revisões judiciais e respeitar mais rigorosamente a alocação de riscos livremente pactuada pelas partes, sob o crivo da autonomia da vontade.

 

Também em relação aos contratos, o PL apresentado, mormente o parágrafo segundo, do art. 421, dispõe que é nula de pleno direito a cláusula que violar a função social do contrato, ou seja, pune-se o agente por conta de um evento baseado em um conceito vago e que, no limite, a julgar pela jurisprudência atual, pode ocasionar um efeito em cadeia.

 

Outro ponto relevante é a tentativa de harmonização do Código Civil com a Lei da Liberdade Econômica, o Marco Legal das Startups e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), além do alinhamento com as tendências do comércio internacional, marcado por contratos mais complexos, duradouros e transnacionais.

 

Apesar das boas intenções, os efeitos da reforma podem ser ambíguos e tem levado contratualistas a questionarem a reforma proposta, dado que, para alguns, o texto apresentado ao Senado não se trata de reforma do Código Civil em vigor, mas de um Código novo, algo que, se considerado, demandaria muito mais tempo de discussão e debates mais amplos. A primeira preocupação é a insegurança jurídica oriunda do uso recorrente, porém vago, dos conceitos de “paridade” e “simetria”. O texto legal não define com clareza o que configura um contrato paritário ou simétrico, deixando essa tarefa ao Judiciário, que precisará analisar caso a caso. Em relação à função social do contrato, pode pôr em risco negócios já havidos, dada a eventual impossibilidade de convalidação ou confirmação de seus efeitos. Tais indefinições podem levar, na prática, ao aumento da litigiosidade: ao invés de reduzir conflitos, a reforma pode provocar novas disputas sobre a qualificação dos contratos e sobre a possibilidade de intervenção judicial.

 

Na palavra de especialistas, há também o risco de retrocesso, na medida em que a tentativa de tratar os contratos empresariais como categoria autônoma pode minar os avanços promovidos pela unificação do direito obrigacional em 2002, gerando inconsistências sistêmicas. Soma-se a isso o perigo de um descolamento da realidade empresarial: presumir que as partes estão sempre em condições equilibradas ignora a assimetria que pode existir mesmo entre grandes empresas, sobretudo em contextos como cadeias globais de fornecimento ou contratos tecnológicos padronizados e não negociáveis.

 

Para que a proposta traga mais segurança jurídica, algumas medidas podem ser fundamentais. Em primeiro lugar, é essencial definir de forma objetiva os critérios que caracterizam paridade e simetria contratual, evitando margens excessivas para interpretações subjetivas, evitando o protagonismo judicial. Recomenda-se, também, a adoção de testes objetivos, como a verificação da existência de negociação efetiva das cláusulas, o nível de assessoramento jurídico disponível, o equilíbrio informacional entre as partes e a presença ou não de cláusulas predispostas.

 

Além disto, uma reforma segura e eficaz deve prever salvaguardas contra o abuso de posição econômica, mesmo em ambientes empresariais, para garantir que desequilíbrios de fato não comprometam a função econômica dos contratos nem distorçam a alocação de riscos. O texto também precisa refletir as práticas modernas do mercado, como a utilização de inteligência artificial, contratos automatizados, operações internacionais e ferramentas de gestão contratual como o Contract Lifecycle Management (CLM). Inclusive, deve privilegiar princípios próprios do direito empresarial — como segurança jurídica, previsibilidade, tutela do crédito e respeito à função econômica dos contratos — além de funcionar como vetores autônomos de interpretação, distintos daqueles aplicáveis a relações civis ou consumeristas, dada a peculiaridade da matéria.

 

Embora represente uma oportunidade importante de modernização do direito contratual brasileiro, a reforma do Código Civil, tal qual apresentada, ao tentar introduzir categorias como “contratos paritários e simétricos”, sem critérios técnicos claros, corre o risco de criar mais incertezas do que soluções. Para atingir o fim que pretende, a reforma precisa estar mais conectada à realidade prática das relações empresariais, das cadeias globais de valor e das dinâmicas assimétricas do mercado contemporâneo. Do contrário, corre-se o risco de uma legislação que, embora bem-intencionada, responda mais a uma construção acadêmica do que às demandas reais da economia brasileira, privilegiando ainda mais o protagonismo judicial em detrimento de uma legislação mais robusta, clara e que demande o mínimo de interpretação possível por parte do judiciário brasileiro.

 
 
 

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