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Distribuição desproporcional de lucros: Aspectos jurídicos, tributários e jurisprudenciais

  • Foto do escritor: Braga & Garbelotti
    Braga & Garbelotti
  • 18 de ago.
  • 3 min de leitura

Samuel Souza Rodrigues

 

A distribuição desproporcional de lucros é um tema recorrente no Direito Societário e Tributário brasileiro, particularmente relevante em sociedades limitadas e sociedades simples uniprofissionais (SUPs). Prevista no artigo 1.007 do Código Civil, essa prática permite que os lucros sejam divididos de forma diferente da proporção das quotas de capital, desde que haja previsão contratual expressa e deliberação societária válida. A motivação é, em geral, reconhecer contribuições distintas dos sócios, como esforço, gestão, geração de negócios ou captação de clientes. Todavia, o uso indevido pode gerar litígios entre sócios, autuações fiscais e requalificação dos valores distribuídos. 


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No âmbito das sociedades limitadas, a legislação admite expressamente a estipulação de critérios diferenciados para a distribuição de lucros, desde que não se suprima o direito de participação de qualquer sócio (artigo 1.008 do CC). Nas sociedades anônimas, a proporcionalidade é a regra, exceto em situações específicas, como a criação de classes de ações com direitos distintos ou, segundo algumas interpretações, nas hipóteses do Marco Legal das Startups (LC 182/2021), que flexibilizou a deliberação sobre dividendos quando o estatuto social for omisso.

 

Já nas SUPs, a distribuição proporcional ao volume de trabalho de cada sócio é comum e reflete a natureza personalíssima da prestação de serviços. Contudo, a Receita Federal do Brasil (SRF) frequentemente questiona tais práticas, alegando que configuram remuneração (pro labore) disfarçada, sujeita a Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF e contribuição previdenciária.

 

Tributariamente, os lucros e dividendos distribuídos — proporcionais ou não — são isentos de Imposto de Renda (artigo 10, da Lei 9.249/95), desde que lastreados em escrituração contábil regular e previstos no contrato social. A Receita Federal, em Solução de Consulta Disit 46/2010, reconheceu a isenção para distribuições desproporcionais, mas autuações ainda ocorrem em casos de: (i) pagamento a não sócios; (ii) falta de previsão contratual ou critério objetivo; e/ou (iii) ausência de lastro contábil ou antecipações irregulares.

 

No âmbito estadual, há debate sobre a incidência do ITCMD. Embora alguns estados, como São Paulo, não tributem essas operações, outros tentaram fazê-lo, como o Estado de Santa Catarina, e projetos no contexto da reforma tributária (PLP 108/2024) buscaram equiparar a distribuição desproporcional a doação, o que foi retirado na última versão.

 

O STJ já pacificou que a distribuição desproporcional de lucros em SUPs é compatível com sua natureza e não configura abuso, desde que prevista contratualmente. O Carf, por sua vez, tem consolidado quatro requisitos para a validade tributária dessas distribuições: (i) previsão expressa no contrato social; (ii) definição prévia e clara dos critérios de rateio; (iii) escrituração contábil regular, com lucros efetivamente apurados; e (iv) destinação exclusiva a sócios.

 

Decisões isoladas requalificaram distribuições como remuneração, especialmente quando presentes indícios de abuso de forma, pagamentos desprovidos de base contábil ou favorecimento desproporcional sem justificativa.

 

Para reduzir riscos, recomenda-se: (i) a inclusão de cláusula específica no contrato social prevendo a possibilidade de distribuição desproporcional; (ii) o estabelecimento de critérios objetivos (ex.: desempenho, volume de negócios, contribuição técnica); (iii) o registro da deliberação em ata assinada por todos os sócios; e (iv) a escrituração contábil regular e transparente.

 

Essas medidas fortalecem a governança societária, preservam a segurança jurídica e dificultam questionamentos administrativos ou judiciais.

 

A distribuição desproporcional de lucros é um mecanismo legítimo de incentivo e reconhecimento, mas exige formalização robusta e alinhamento com princípios societários e tributários. Mal estruturada, pode ser interpretada como abuso, gerando ônus fiscal significativo e desgaste societário. Em um cenário de reformas e maior fiscalização, a atenção aos detalhes formais e contábeis é a chave para utilizar esse instrumento de forma estratégica e segura.

 
 
 

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