Giovanna Semprini
Como era esperado, foi sancionado na quinta-feira 16/01/2025, o Projeto de Lei Complementar (PLP)nº 68/24 – a primeira parte da regulamentação da reforma tributária (Emenda Constitucional 132, de 2024) - que se consolidou na Lei Complementar nº 214/25. Uma das grandes preocupações neste momento são os seus impactos na Zona Franca de Manaus (ZFM), instituída originalmente pela Lei nº 3.173/1967, alterada pelo Decreto-Lei nº 288/1967 e, mais tarde, recepcionada pela Constituição Federal de 1988[1].

Como se sabe, a ZFM foi criada com o intuito de desenvolver econômica e socialmente a região amazônica por meio de incentivos fiscais e isenção de tributos. É composta por três pilares: comercial, agropecuário e industrial, com destaque para o terceiro, já que o chamado Polo Industrial de Manaus é o centro industrial e tecnológico mais avançado da América Latina, contando com mais de seiscentas indústrias.
O texto da EC 132/2024 prevê que a lei deverá, ao instituir os impostos sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, replicar, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à ZFM[2].
Conforme apontado na última publicação do boletim da Reforma Tributária da BraGa, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) deverá incidir, em regra geral, sobre operações onerosas, tendo como base de cálculo o seu valor integral[3].
Apesar de, na tentativa de colocar fim à guerra fiscal, não ter sido estabelecida a possibilidade de utilização do IBS como incentivo fiscaL[4], a ZFM deverá ser mantida por meio da suspensão de IBS e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) na importação de bens materiais pela indústria incentivada[5].
Vale destacar que o texto sancionado da PLP 68/24 elenca como indústria incentivada a pessoa jurídica contribuinte do IBS e da CBS e habilitada para industrialização de bens na ZFM, observada a exigência de processo produtivo básico estabelecida pela legislação aplicável[6].
Ademais, salienta-se que os bens materiais envolvidos não abrangem bens de uso e consumo pessoal, tampouco armas e munições, fumo e seus derivados, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros, petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais[7].
A suspensão do IBS e da CBS, então, deverá converter-se em isenção quando os bens importados forem consumidos ou incorporados em processo produtivo do importador na ZFM (depreciação integral do bem) ou, ainda, após a permanência por quarenta e oito meses no ativo imobilizado do estabelecimento adquirente[8].
No que se refere às alíquotas do IBS e da CBS, ficaram reduzidas a zero nas operações com origem fora da ZFM que destine bem material industrializado de origem nacional à indústria incentivada na ZFM[9]. Essa medida busca evitar que fornecedores internos fiquem prejudicados com relação àqueles situados fora da ZFM.
Nessas operações, o texto da sancionada PLP 68/24 previu a concessão de crédito presumido de IBS, o qual será calculado mediante a aplicação de percentual sobre o valor da operação, qual seja, 7,5% no caso de bens provenientes das regiões Sul e Sudeste, salvo o estado do Espírito Santo e 13,5% para os bens advindo das demais regiões e do Estado capixaba[10].
A alíquota zero do IBS e da CBS também deve ser considerada para operações em que a indústria incentivada na ZFM forneça bens intermediários para outra indústria incentivada na mesma área[11]. Nesta hipótese, restou assegurado crédito presumido de IBS no percentual de 7,5% a ser calculado sobre o valor da operação[12].
Inobstante, ainda foi concedido crédito presumido de IBS e CBS no que tange a operações que destine bem industrializado proveniente da indústria incentivada para os demais entes do território nacional[13]. Os valores, contudo, ainda deverão ser definidos pelo Comitê Gestor do IBS[14]. Quanto à CBS, o crédito será de 6% na venda de produtos cuja alíquota de IPI tenha sido reduzida a zero ou 2% nos demais casos[15].
Cumpre salientar que os créditos de IBS e CBS provenientes destas operações deverão ser utilizados em seis meses e somente poderão ser compensados com débitos dos mesmos tributos – vedado o ressarcimento[16]. A crítica neste âmbito se dá em razão do exímio período para liquidação dos créditos, que poderá prejudicar empresas com baixa rotatividade operacional na oportunidade do seu aproveitamento.
Pois bem, no contexto das grandes mudanças trazidas pela Reforma Tributária, o que faz saltar aos olhos é a manutenção da existência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A verdade é que o projeto inicial previa a sua extinção total a partir de 2027, posição que, contudo, caiu por terra no Congresso Nacional.
No projeto já sancionado, a regra geral estabelece que o IPI terá sua alíquota zerada para os produtos produzidos nas áreas incentivadas[17]. Ou seja, essas empresas gozarão do benefício, mas o restante do país deverá ser tributado pelo imposto ao vender para áreas que não são incentivadas18. Segundo o Congresso, a medida tem como objetivo manter o diferencial competitivo da ZFM.
Desta forma, as atuais funções do IPI, arrecadatórias e extrafiscais, passarão a ser exercidas pela CBS e pelo Imposto Seletivo (IS). Ao tributo “antigo”, caberá atuar como elemento a diferenciar e assegurar a competividade da ZFM.
Com relação às críticas que o PLP 68/24 vem recebendo quanto à ZFM, destacam-se aquelas referentes aos incentivos para o refino de petróleo. Historicamente, não haviam restrições ao desenvolvimento do setor na área até a promulgação da Lei nº 14.183/2021, que impôs limitações e rompeu com o viés de fomento à indústria.
Agora, com a sanção do PLP 68/24, o refino de petróleo foi incluso entre os bens e os serviços que podem usufruir do regime especial na ZFM. Quem acredita que a inclusão pode ser benéfica à região aduz que a medida traz isonomia ao refino no Norte quanto ao restante do país. A opinião contrária, no entanto, alega que a inclusão da Refinaria da Amazônia (REAM) no regime especial pode ensejar distorção à concorrência, além de perda na arrecadação tributária.
Inclusive, o próprio Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) afirmou, em carta a ministros enviada no final de dezembro/2024, que a inclusão da refinaria na ZFM traz prejuízos à competitividade do etanol frente à gasolina e argui pelo tratamento desigual aos contribuintes do mesmo setor.
Esta discussão está longe de acabar e, muito embora a visão seja de otimismo quanto à simplificação do sistema tributário e à manutenção efetiva e promissora da ZFM, fato é que as verdadeiras premissas que deveriam dirimir a reforma tributária parecem estar somente em plano de fundo – a redução das desigualdades sociais por meio do desenvolvimento econômico sustentável.
Referências:
[1] Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): “Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição.”
[2] Emenda Constitucional 132/2023: “Art. 92-B. As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus pelos arts. 40 e 92-A e às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023, nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos a que se referem os arts. 126 a 129, todos deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
Constituição Federal: “Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.”
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: V - sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.”
[3] PLP 68/24: “Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre: I - operações onerosas com bens ou com serviços; e”
“Art. 12. A base de cálculo do IBS e da CBS é o valor da operação, salvo disposição em contrário prevista nesta Lei Complementar.”
[4] Emenda Constitucional 32/2023: “Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. § 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte: X - não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição;”
[5] PLP 68/24: “Art. 427. Fica suspensa a incidência do IBS e da CBS na importação de bem material realizada por indústria incentivada para utilização na Zona Franca de Manaus.”
[6] PLP 68/24: “Art. 425. Para fins desta Seção, considera-se: II - indústria incentivada: a pessoa jurídica contribuinte do IBS e da CBS e habilitada na forma do art. 427 para industrialização de bens na Zona Franca de Manaus, exceto aqueles de que trata o inciso V, observada a exigência de processo produtivo básico estabelecida pela legislação aplicável;”
[7] PLP 68/24, art. § 1°, inc. II: “II - bens de uso e consumo pessoal de que trata o art. 29, salvo se demonstrado que são necessários ao desenvolvimento da atividade do contribuinte vinculada ao projeto econômico aprovado.”
PLP 68/24, art. 425, inc. V: “V - bens não contemplados pelo regime favorecido da Zona Franca de Manaus: a) armas e munições; b) fumo e seus derivados; c) bebidas alcoólicas; d) automóveis de passageiros; e) petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo; e f) produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais.”
[8] PLP 68/24, art. 427, § 2º, inc. I e II: “§ 2º A suspensão de que trata o caput converte-se em isenção: I - quando os bens importados forem consumidos ou incorporados em processo produtivo do importador na Zona Franca de Manaus; II - após a permanência por 48 (quarenta e oito) meses no ativo imobilizado do estabelecimento adquirente.”
[9] PLP 68/24: “Art. 428. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre operação originada fora da Zona Franca de Manaus que destine bem material industrializado de origem nacional a contribuinte estabelecido na Zona Franca de Manaus que seja: I - habilitado nos termos do art. 426; e II - sujeito ao regime regular do IBS e da CBS ou optante pelo regime do Simples Nacional de que trata o art. 12 da Lei Complementar nº 123, de 2006.”
“Art. 429. O IBS incidirá sobre a entrada, no estado do Amazonas, de bens materiais que tenham sido contemplados com a redução a zero de alíquotas nos termos do art. 428, exceto se destinados a indústria incentivada para utilização na Zona Franca de Manaus.”
[10] PLP 68/24: “Art. 430. Fica concedido ao contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e habilitado nos termos do art. 426 crédito presumido de IBS relativo à aquisição de bem material industrializado de origem nacional contemplado pela redução a zero da alíquota do IBS nos termos do art. 428. § 1º O crédito presumido de que trata o caput será calculado mediante aplicação dos seguintes percentuais sobre o valor da operação contemplada pela redução a zero da alíquota do IBS nos termos do art. 428: I - 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), no caso de bens provenientes das regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo; e II - 13,5% (treze inteiros e cinco décimos por cento), no caso de bens provenientes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.”
[11] PLP 68/24: “Art. 431. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre operação realizada por indústria incentivada que destine bem material intermediário para outra indústria incentivada na Zona Franca de Manaus, desde que a entrega ou disponibilização dos bens ocorra dentro da referida área.”
[12] PLP 68/24: “Art. 432. Fica concedido à indústria incentivada na Zona Franca de Manaus, sujeita ao regime regular do IBS e da CBS, crédito presumido de IBS relativo à aquisição de bem intermediário produzido na referida área, desde que o bem esteja contemplado pela redução a zero de alíquota estabelecida pelo art. 431 e seja utilizado para incorporação na produção de bens finais. § 1º O crédito presumido de que trata o caput será calculado mediante aplicação do percentual de 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação contemplada pela redução a zero da alíquota do IBS estabelecida pelo art. 431.”
[13] PLP 68/24: “Art. 433. Ficam concedidos à indústria incentivada na Zona Franca de Manaus créditos presumidos de IBS e de CBS relativos à operação que destine ao território nacional bem material produzido pela própria indústria incentivada na referida área nos termos do projeto econômico aprovado, exceto em relação às operações previstas no art. 431.”
[14] PLP 68/24, Art. 433, § 3°: “§ 3º A forma de cálculo e os percentuais a serem aplicados na determinação do crédito presumido de IBS de que trata esse artigo serão estabelecidos por ato da autoridade máxima do Comitê Gestor do IBS para cada bem ou categoria de bens, observados os seguintes procedimentos: (...)”
[15] PLP 68/24, Art. 433, § 4°, inc. I e II: “§ 4º O crédito presumido de CBS de que trata o caput será calculado mediante aplicação dos seguintes percentuais sobre o valor da operação registrado em documento fiscal idôneo: I - 6% (seis por cento) na venda de produtos cuja alíquota de IPI tenha sido reduzida a zero, nos termos do art. 436; ou II - 2% (dois por cento) nos demais casos.”
[16] PLP 68/24: “Art. 434. Os créditos presumidos de IBS e de CBS estabelecidos pelos arts. 430, 432 e 433 somente poderão ser utilizados para compensação, respectivamente, com o valor do IBS e da CBS devidos pelo contribuinte, vedada a compensação com outros tributos e o ressarcimento em dinheiro.
Parágrafo único. O direito à utilização dos créditos presumidos de que trata o caput extingue-se após 6 (seis) meses, contados do primeiro dia do mês subsequente àquele em que ocorrer sua apropriação.”
[17] PLP 68/24: “Art. 436. A partir de 1º de janeiro de 2027 fica reduzida a zero a alíquota do IPI relativa a produtos industrializados na Zona Franca de Manaus em 2023 e sujeitos a alíquota inferior a 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) prevista na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - Tipi vigente em 31 de dezembro de 2023.”
[18] Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): “Art. 126. A partir de 2027: III - o imposto previsto no art. 153, IV, da Constituição Federal: a) terá suas alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, conforme critérios estabelecidos em lei complementar; e b) não incidirá de forma cumulativa com o imposto previsto no art. 153, VIII, da Constituição Federal.”
PLP 68/24: “Art. 450. A partir de 1º de janeiro de 2027, ficam reduzidas a zero as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados que não tenham sido efetivamente industrializados na Zona Franca de Manaus no ano de 2023, nos termos do art. 126, inciso III, alínea “a”, do ADCT.”
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