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A inclusão do IBS e CBS na base do ICMS: um possível “filhote” da Tese do Século

  • Foto do escritor: Braga & Garbelotti
    Braga & Garbelotti
  • 4 de nov.
  • 3 min de leitura

Framber Belchior Moreira

 

A implementação da Reforma Tributária, inaugurada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, marca o início de uma profunda reestruturação do sistema tributário nacional. A nova sistemática, baseada no princípio da tributação sobre o valor agregado e materializado pelo IVA dual — composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) —, busca simplificar o regime tributário, eliminar a cumulatividade e promover maior transparência. 


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Entretanto, mesmo antes de sua plena vigência, a transição entre o sistema atual e o novo regime já desperta controvérsias. Uma das mais sensíveis diz respeito à possibilidade de o IBS e a CBS integrarem a base de cálculo dos tributos ainda vigentes, notadamente o ICMS, o ISS e o IPI, durante o período de transição entre 2026 e 2033. O debate, que à primeira vista pode parecer técnico, reacende discussões constitucionais já conhecidas e carrega potencial de se tornar o novo epicentro de disputas judiciais entre contribuintes e o fisco.

 

Em recente entrevista, o coordenador de Regimes Diferenciados do pré-Comitê Gestor do IBS, Antônio Guedes Alcoforado, afirmou que a eventual inclusão do IBS na base do ICMS pode se tornar um “filhote da Tese do Século”, em alusão ao precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Segundo o auditor, a ausência de definição expressa na legislação atual abre margem para questionamentos jurídicos e pode desencadear uma nova onda de litígios tributários, semelhante a que movimentou o contencioso fiscal nas últimas duas décadas.

 

O cerne da controvérsia repousa sobre um aparente vício de origem legislativa. O texto da PEC nº 45/2019, que deu origem à Reforma Tributária, previa de forma expressa que os novos tributos não integrariam a base de cálculo dos impostos atuais. No entanto, essa previsão foi suprimida na promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, criando um vazio normativo que se tornou terreno fértil para interpretações divergentes.

 

Estados e municípios, amparados no argumento da neutralidade arrecadatória, sustentam que a inclusão seria necessária para evitar perdas de receita durante o período de transição. Já os contribuintes e especialistas em direito tributário defendem que a ausência de previsão legal impede a tributação, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da transparência e da não cumulatividade que orientam o novo sistema.

 

O paralelo com a chamada “Tese do Século” é inevitável. À época, o STF entendeu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS/Cofins por não representar receita própria do contribuinte, mas mero ingresso destinado ao Estado. De forma análoga, incluir o IBS e a CBS na base do ICMS significaria tributar o imposto sobre o próprio imposto, recriando o cenário que o STF já  considerou inconstitucional.

 

A controvérsia adquire contornos ainda mais delicados diante das manifestações oficiais de representantes da União e dos Estados. O Secretário Especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, já afirmou que o IBS e a CBS deverão compor a base do ICMS até 2033, entendimento que coincide com a posição defendida pelos fiscos estaduais. Essa perspectiva, contudo, não elimina o risco de judicialização, já que o tema envolve interpretação constitucional e pode afetar a segurança jurídica de milhares de empresas em todo o país.

 

Do ponto de vista prático, a indefinição normativa traz desafios significativos ao ambiente corporativo. A inclusão dos novos tributos na base do ICMS tende a aumentar a carga tributária efetiva, impactar o preço final de bens e serviços, elevar custos operacionais e gerar incertezas contábeis. As empresas deverão revisar seus sistemas de gestão fiscal, parametrizar corretamente as bases de cálculo e definir, de forma estratégica, sua postura diante do impasse.

 

Nesse contexto, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 16/2025 surge como tentativa de restabelecer a segurança jurídica, propondo vedação expressa à inclusão de IBS e CBS na base dos tributos antigos. Contudo, a tramitação legislativa segue em ritmo lento, o que aumenta a urgência de uma definição clara antes da entrada em vigor do novo regime em 2026.

 

A indefinição sobre a base de cálculo do ICMS diante do advento do IBS e da CBS evidencia que a Reforma Tributária, embora necessária, ainda convive com zonas de sombra interpretativa que exigem cautela e acompanhamento atento. A possível sobreposição de incidências tributárias contraria os princípios estruturantes do novo modelo e reabre discussões que se imaginavam superadas.

 

Em um cenário de transição e incerteza, a prudência recomenda que empresas e operadores do direito tributário mantenham vigilância constante, reforcem suas políticas de compliance e adotem planejamento fiscal pautado na segurança jurídica. Afinal, o sucesso da Reforma não dependerá apenas de novas leis, mas da coerência e estabilidade com que forem aplicadas — sob pena de que o país veja nascer, mais uma vez, um novo “filhote” da Tese do Século.

 
 
 

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