A Imunidade do ITBI na Integralização de Imóveis: Análise dos Temas 796 e 1.348 no STF
- Braga & Garbelotti
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Samuel Souza Rodrigues
O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) há muito tempo constitui tema de controvérsia entre municípios e contribuintes, especialmente no ponto de intersecção entre o investimento imobiliário e a integralização de bens no capital social de pessoas jurídicas. A imunidade do ITBI nas transferências de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de sociedades — inclusive quando decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção — está prevista no artigo 156, §2º, inciso I da Constituição Federal.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o debate acerca da extensão dessa imunidade, em especial quanto à sua aplicação para as sociedades que possuem atividade preponderantemente imobiliária. O julgamento deverá definir se a imunidade se estende também a essas empresas ou se continuará restrita às sociedades com objeto social distinto do setor imobiliário. Em seu voto, o ministro Edson Fachin sustentou que a imunidade possui natureza incondicionada, ou seja, independe da atividade exercida pela pessoa jurídica, sinalizando a tendência de reafirmação do entendimento consolidado na jurisprudência para o Tema 796.
Ainda assim, persistem divergências interpretativas entre tribunais e administrações fiscais quanto ao alcance dessa imunidade, especialmente sobre a diferença entre o valor histórico do bem declarado no imposto de renda e o valor de mercado no momento da integralização. Essa discrepância tem servido de base para que diversos municípios exijam o pagamento do ITBI sobre essa diferença, o que eleva substancialmente o custo inicial de constituição de holdings familiares e patrimoniais.
Durante anos, a exceção contida na parte final do art. 156, §2º, I foi interpretada como limitação ampla à imunidade, levando muitos municípios a exigir ITBI em todas as transferências de imóveis realizadas por empresas com atividade imobiliária. Contudo, tal entendimento foi reformulado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC (Tema 796 de repercussão geral), que reconheceu ser incondicional a imunidade do ITBI na integralização de capital, independentemente da atividade econômica da sociedade, inclusive quando se tratar de holdings imobiliárias.
O precedente fixado no Tema 796 estabeleceu, entretanto, uma distinção importante: a imunidade se aplica apenas sobre o valor efetivamente integralizado ao capital social. Assim, se o imóvel é transferido por valor inferior ao de mercado, o ITBI pode incidir sobre a diferença de avaliação. Essa interpretação tem sido amplamente adotada pelos fiscos municipais, resultando na tributação parcial dessas operações e alimentando o debate sobre se a imunidade possui caráter absoluto ou relativo. Caso o STF confirme esse posicionamento, o custo de constituição de holdings permanecerá, ainda que mitigado, pois o imposto incidirá apenas sobre a diferença de valores.
Nesse contexto, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.495.108 (Tema 1.348) assume papel determinante ao definir se a imunidade constitucional do ITBI será considerada plena ou condicionada à atividade da empresa. De um lado, os contribuintes defendem que a imunidade tem natureza absoluta, voltada à preservação da neutralidade econômica e da livre iniciativa; de outro, os municípios sustentam que a norma constitucional deve ser interpretada de forma restritiva, para resguardar a capacidade arrecadatória local. A decisão do STF representará, portanto, um marco para a segurança jurídica e para o planejamento patrimonial no Brasil, influenciando diretamente a viabilidade e o custo das estruturas de holdings familiares.
Por fim, a imunidade tributária prevista no art. 156, §2º, I da Constituição Federal não deve ser compreendida como um benefício fiscal, mas como garantia constitucional de neutralidade econômica e liberdade empresarial. Uma interpretação restritiva dessa norma — sobretudo no que se refere às empresas com atividade imobiliária preponderante — pode gerar insegurança jurídica e desestimular o uso eficiente de ativos na estruturação societária. Assim, a discussão do Tema 1.348 transcende o aspecto técnico-tributário: representa um ponto de inflexão no sistema fiscal brasileiro, em que se busca conciliar a autonomia financeira dos municípios com a estabilidade e previsibilidade das relações empresariais.